Visitas

terça-feira, junho 21, 2005

« ADEUS

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.
Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.
Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.
Adeus.»

Eugénio de Andrade

7 comentários:

último! disse...

Guida ainda uns posts atrás estavas apaixonada e agora acabou mas a vida continua!!
Mas não chegaste a dizer o nome do gajo? eheheh

último! disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Anónimo disse...

deixa lá Gui..azar ao amor sorte ao Jogo!

Margarida Batista disse...

Assim torna-se difícil, gajos.... Tenho de explicar sempre tudo?? O que publico não tem necessariamente a ver comigo, aliás quase nunca tem... chama-se FICÇÃO, capice?

Este post é uma homenagem ao grande Eugénio de Andrade que faleceu na semana passada. Vem mesmo a propósito pois o poema chama-se "Adeus". É a minha humilde forma de despedida. Há muitos anos que leio este poema e nunca deixo de o considerar uma obra de arte.

Se alguém me perguntar quem foi o Eugénio de Andrade, junte uma faca para eu espetar no coração sim?

último! disse...

Oh Guida o Eugénio, eu sei quem foi, agora o gajo é que continuo a espera de saber quem é?
Conta, conta!?

Margarida Batista disse...

Por muito belo que fosse o suposto fulano não seria decerto merecedor de tão belas palavras

Anónimo disse...

Mais nada!!