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sábado, abril 23, 2005

O mendigo no quadro

Os outros quadros eram todos de paisagens. Todos tinham molduras bem trabalhadas. O único com o elemento humano era o quadro do mendigo, emoldurado a creme sujo com fios de talha acobreada. O mendigo ocupava toda a altura da tela, um velho triste de barba cinzenta e chapéu de aba, gabardine e botas rotas. Chovia míudinho e todo o passeio brilhava de humidade, o mendigo segurava um jornal, tendo o rafeiro às manchas por companhia. O quadro sobreviveu a várias mudanças de casa e agora não sei onde pára. O mendigo desceu do quadro, atravessou o passeio, depois a estrada e levou com um eléctrico, como o Gaudí. Procuraram-lhe a identidade nos bolsos; encontraram uma beata, alfinetes, dois cotos de vela, os cordões das botas, uma folha de jornal rasgada, três nozes e um canivete.

2 comentários:

Anónimo disse...

Isto foi mesmo escrito às 11 da manhã!!! Isso é que é acordar com o lirismo a correr nas veias.

Beijo

Margarida Batista disse...

heheeh, é verdade
puro e duro...

+ bjs