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quinta-feira, janeiro 19, 2006

Coisas que tal segundo Fernando Pessoa

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Não tomando nada a sério, nem considerando que nos fosse dada, por certa, outra realidade que não as nossas sensações, nelas nos abrigamos, e a elas exploramos como a grandes países desconhecidos. E, se nos empregamos assiduamente, não só na contemplação estética mas também na expressão dos seus modos e resultados, é que a prosa ou o verso que escrevemos, destituídos de vontade de querer convencer o alheio entendimento ou mover a alheia vontade, é apenas como o falar alto de quem lê, feito para dar plena objectividade ao prazer subjectivo da leitura.
Sabemos bem que toda a obra tem que ser imperfeita, e que a menos segura das nossas contemplações será a daquilo que escrevemos. Mas imperfeito é tudo, nem há poente tão belo que o não pudesse ser mais, ou brisa leve que nos dê sono que não pudesse dar-nos um sono mais calmo ainda. E assim, contempladores iguais das montanhas e das estátuas, gozando os dias como os livros, sonhando tudo, sobretudo, para o converter na nossa íntima substância, faremos também descrições e análises, que, uma vez feitas, passarão a ser coisas alheias, que podemos gozar como se viessem na tarde.
(...) »
Fernando Pessoa in O Livro do Desassossego

4 comentários:

Mia disse...

O que eu gosto deste Senhor!
Até dá vontade de ir a correr até ao Chiado e por-lhe um casaco pelas costas por causa do frio!
Se ele fosse vivo dava-lhe muitos beijinhos!
Pronto!

Rui Borges disse...

Que incríveis memórias teremos guardadas em nós para, agora, os poentes e as brisas serem imperfeitos?...

Anónimo disse...

grande gui! sabe sempre bem ler um pedacinho das palavras escritas por este senhor.

Obrigada!

Margarida Batista disse...

O Fernando Pessoa realmente é... indescritível! Estou a adorar este livro, a cada linha apetece-me vir a correr transcrever eheeheh. Para quem não leu aconselho, é mesmo como diz na capa: "uma obra (...) que oferece alguma da mais bela prosa da língua portuguesa."